Aos nossos olhos, a montanha parece um imenso deserto de pedras. Aprendi a olhar para ela. Afinal está povoada de inúmeras famílias, nómadas berberes em constante transumância.
Os rebanhos são grandes. A vegetação sendo escassa é perfumada e muito diversificada ao longo do ano. As tendas são montadas no chão. Criam-se pequenos abrigos para proteger os recém-nascidos do chacal.
Se eu tinha um caminho criado aquando da construção das linhas de alta tensão, os nómadas berberes seguem trilhos invisíveis ao meu olhar, subindo e descendo vales a um ritmo alucinante, procurando água e pasto.
Subi à montanha no primeiro dia da Festa do Casamento.
Em baixo, nas tendas montadas para as Festas, os homens reuniram-se por duas vezes. Muito antes da hora do almoço e da hora do jantar, entoaram orações, juntamente com cinco molás, com cânticos corânicos da época Andaluza.
O pão é o elemento fundamental em qualquer refeição berbère.
Durante os 3 dias que demorará o casamento, duas mulheres foram designadas para fazer o pão. Durante 3 dias, desde a manhã até ao cair da noite, amassam, estendem, cozem, tudo ao nível do solo.
Debaixo das tendas, montadas para a ocasião, dezenas de pessoas reúnem-se à volta duma única travessa e o pão é partilhado entre todos (os homens e as mulheres comem separadamente).
Não há talheres.
O pão mergulha no molho, com os dedos desfaz a carne e é levado à boca. Não faltam as abluções antes e depois das refeições.
Quando as centenas de convidados saem das tendas, as travessas estão vazias. Sobram sempre migalhas e pedaços de pão que, cuidadosamente serão retirados e guardados.
Nenhum muçulmano deita o pão no lixo.
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1.200 quilómetros de estrada para 1 dia de viagem, 1 dia por terra e uma hora por mar.
3 dias para um casamento berbere mais 1.200 quilómetros de estrada que nos separavam da nossa casa.
Vimos o despertar das miúdas na madrugada espanhola.
Sentimos os ventos do Atlântico soprar, travando o nosso andamento.
Admirámos o pôr do sol no cimo do Médio Atlas, antes de enfrentar uma tempestade de neve no Grande Atlas.
A lua iluminou a nossa descida na parte oriental.
Senti na pele, o frio vindo do deserto quando chegámos ao nosso destino.
Valentes são as miúdas que aguentaram um dia inteiro de carro. Nele se dormiu, se comeu, se leu, ouviu-se música, falou-se e brincou-se para ganhar tempo.
Os 490.000 que marca o conta-quilómetros é o testemunho das nossas longas viagens. É a nossa memória. Começamos a ter um maior afecto para com um veículo que tem tanta idade como as nossas filhas.
No regresso destes 5 dias de férias, fomos unânimes. Não lavar o carro. Deixar o pó do Grande Atlas, porque ele tem o seu próprio ADN!
O ano passado tinha-lhe feito uma almofada. Este ano, decidi-me por acabar a tão esperada manta.
Tudo porque ao regressar à Residência de Estudantes da M., deparei com uma chita a fazer a vez de colcha. O mesmo padrão usado num dos retalhos.
5 anos.
5 anos entre ter acabado o patchwork e acolchoá-lo.
Um patchwork de diversos tecidos, de várias épocas, de várias origens.
Assumo a falha de tinta na altura da impressão do padrão da chita que apliquei orgulhosamente tanto no direito como no versão da manta. As imperfeições têm encantos, ao menos para mim: "Não são defeitos, mas feitios"!